Conectados e Aprisionados: A Luta da Organização Popular em um Mundo Digital Controlado
A análise dos ambientes fechados digitais, como as redes sociais, revela sua relação com o contexto histórico atual e como restringem a liberdade. Embora pareçam emancipadoras, funcionam como instrumentos de controle. Há, porém, alternativas que precisam ser lembradas e reforçadas.

Nas últimas décadas, testemunhamos a ascensão imponente do império das corporações de tecnologia voltadas à comunicação na Internet. Elas se tornaram onipresentes em nossas vidas cotidianas. Facebook, Instagram, X (antigo Twitter) e mais recentemente o TikTok, por exemplo, conquistaram um espaço central na forma como nos comunicamos, consumimos informações, trabalhamos e nos relacionamos com o mundo de forma geral. No entanto, toda essa conectividade global emerge sobre os pilares de uma realidade preocupante: os "walled gardens" - ambientes digitais altamente controlados por corporações que, em nome da conveniência e da inovação, tendem a restringir a liberdade e a autonomia dos usuários.
Essa análise precisa ser feita em conjunto com uma visão mais ampla do contexto socioeconômico em que essas plataformas se desenvolvem. O neoliberalismo em sua forma mais atual, com sua ênfase na privatização, desregulamentação, maximização de lucros e fusão entre Estado e setor tecnológico, permeia profundamente a estrutura e a lógica de funcionamento dessas redes sociais. Nesse cenário, a emancipação popular e de camadas trabalhadoras enfrenta novos desafios, à medida que as arbitrariedades e o controle exercidos por esses "jardins murados" digitais ameaçam subverter os esforços de organização e mobilização coletiva.
Neste artigo, exploraremos como a ascensão dos walled gardens em forma de sinônimo de Internet se relaciona com as dinâmicas do neoliberalismo, analisando seus impactos na privacidade, na autonomia e na capacidade de ação emancipatória da classe trabalhadora. Ao longo dessa jornada, buscaremos vislumbrar alternativas e caminhos que conduzam a uma rede mundial mais democrática e menos subjugada aos interesses corporativos.
O conceito de "walled gardens" refere-se a ambientes digitais altamente controlados e restritos, onde o fluxo de informações e a experiência do usuário são rigidamente regulados por empresas que detêm o domínio dessas plataformas. Esse fenômeno se manifesta de forma paradigmática nas principais redes sociais da atualidade, como Facebook, Instagram e X. Segundo o estudo Data Report Brazil 2025, 91% dos adultos no Brasil utilizam o Instagram, 88% usam o Facebook, enquanto 65% e 44% usam o TikTok e o X, respectivamente.
Essas corporações, movidas pelo ideal capitalista mais elementar, ou seja, o lucro e a expansão de seus mercados a qualquer custo, constroem verdadeiras "muralhas digitais" em torno de seus usuários, confinando-os em ecossistemas fechados e limitando sua capacidade de navegar livremente pela internet. Ao centralizar o acesso a conteúdo, interações e serviços, elas exercem um controle significativo sobre o fluxo de informações que chega aos indivíduos. Já é amplamente sabido que os algoritmos dessas plataformas são projetados para maximizar o engajamento dos usuários, muitas vezes priorizando conteúdo sensacionalista e polarizador em detrimento de informações factuais e equilibradas. Como bem revelado no documentário O Dilema das Redes que pode ser assistido online.
Essa dinâmica de confinamento digital se traduz diretamente em benefícios econômicos substanciais para as empresas proprietárias das redes sociais. Seus modelos de negócio se baseiam na extração e na comercialização de dados pessoais, transformando a atividade dos indivíduos em uma fonte de valor a ser explorada. De acordo com estudo da Data Report sobre as tendências da publicidade global, em 2024 o total gasto com publicidade digital chegou aos estratosféricos 790 bilhões de dólares. Esse valor tem o poder de ilustrar a dimensão do valor econômico gerado pelos dados dos usuários online. Tanto dados pessoais quanto de dados de utilização das plataformas e hábitos de consumo. Essa realidade revela como os jardins murados se tornaram instrumentos de dominação e controle visando o lucro, em detrimento de qualquer outro princípio, como a liberdade e a autonomia dos usuários.
A ascensão das redes sociais digitais em formato de jardins murados não pode ser compreendida isoladamente, mas sim inserida em um contexto socioeconômico mais amplo. Em especial, pela hegemonia do neoliberalismo no final do século passado e início desse. Essa ideologia, que enfatiza a propriedade privada, a desregulamentação do mercado e a maximização de lucros, permeia profundamente a estrutura e a lógica de funcionamento das plataformas digitais nesse momento histórico em que vivemos.
É válido analisar a história para entender como a realidade é dependente das condições materiais existentes em cada momento. Na segunda metade da década de 90, Richard Barbrook e Andy Cameron descreveram a chamada "ideologia californiana". Essa visão, no início da era digital moderna, idealizava a internet como um espaço de liberdade, descentralização e empoderamento popular. No entanto, à medida que os adventos históricos foram definindo as regras do jogo capitalista, a utopia hippie californiana deu lugar a uma realidade muito mais sombria, alinhada aos preceitos do neoliberalismo.
Nesse contexto, as empresas proprietárias das redes sociais buscam incessantemente expandir seus domínios e consolidar seu controle sobre o espaço digital. A privatização do ambiente online, com a criação de "jardins murados" altamente lucrativos, reflete a lógica neoliberal de transformar todos os aspectos da vida em oportunidades de mercado. Essa dinâmica se traduz na exploração da atividade dos usuários, que se tornam meros insumos para a geração de valor econômico, em detrimento de seu bem-estar social ou emancipação individual.
Fica evidente, portanto, como as redes sociais em sua forma murada se alinham obrigatoriamente aos interesses do capital, em detrimento das necessidades reais e da emancipação da população. Enganam-se os que pensam de outra forma. A realidade das redes sociais nesse início de século, marcada pela concentração, controle, arbitrariedade, opressão e exploração irrestrita dos usuários, contrasta drasticamente com a utopia inicial de uma internet livre e descentralizada.
O poder econômico proporcionado pelo princípio do ambiente centralizado e controlado traz uma nova capacidade para os monopólios digitais. As redes sociais, por exemplo, emergem como poderosas ferramentas de manipulação da opinião pública, impactando negativamente os processos democráticos. A coleta em massa de dados pessoais, que abrange desde informações demográficas até padrões de comportamento online, possibilita que essas plataformas realizem um direcionamento de conteúdo e publicidade de forma altamente personalizada. Não somente com fins comerciais, mas ultimamente também com finalidade política.
Ao promover conteúdos falsos, porém polarizador e sensacionalista, impulsionado por algoritmos, as redes sociais moldam percepções e preferências dos usuários, exercendo uma influência significativa na formação da opinião pública. Essa manipulação atinge diretamente o debate público e amplifica narrativas extremistas para a manutenção das explorações e opressões. Isso faz com que a construção de novos consensos e visões de realidade se torne praticamente impossíveis de serem difundidas. Ou ao menos fragilizam o debate emancipador.
A concentração de poder em poucas empresas de tecnologia, como Facebook, Google e X, limita a organização, a comunicação e a mobilização coletiva da população, comprometendo sua participação efetiva nos processos democráticos. Um exemplo recente dessa dinâmica é a relação entre o presidente Donald Trump e Elon Musk no comando da Casa Branca. O presidente demonstra cotidianamente uma disposição sem limites em alinhar-se aos interesses do magnata representante do capital, evidenciando como nunca a influência das grandes empresas em decisões governamentais.
Essa realidade ressalta como os walled gardens se tornaram instrumentos de controle e influência, com consequências graves para a autonomia dos usuários e a saúde da democracia.
Apesar de se apresentarem como espaços de conexão e empoderamento, as redes sociais tendem a fortalecer, na verdade, uma ilusão de liberdade e autonomia. Ao oferecer recursos de aparente liberdade de interação e expressão, essas plataformas digitais mascaram sua natureza de fechada e controladora, onde o fluxo de informações e a experiência do usuário são regidos por algoritmos e modelos de negócios voltados para o aprisionamento dos usuários e a maximização do lucro. Por exemplo, caso alguém esteja insatisfeito com uma determinada rede social proprietária, não há formas de ocorrer uma migração para outra solução. Levando histórico de utilização e rede de contatos, por exemplo.
Essa falsa sensação de liberdade é reforçada pela retórica de "democratização da comunicação" e "voz para todos" usualmente propagada pelos monopólios tecnológicos. No entanto, a realidade se mostra oposta ao que é propagado. Embora as redes sociais possam, em alguns casos, facilitar a organização e a mobilização, elas também apresentam dinâmicas que podem enfraquecer e cooptar essas lutas emancipatórias.
Ao priorizar o engajamento e a ascensão individual e a viralização de conteúdo, as plataformas digitais tendem a contribuir para a fragmentação de movimentos populares, dificultando a construção de uma ação coletiva efetiva. Principalmente se considerarmos o viés mercadológico exercido pelas ações de pessoas influenciadoras. Além disso, a lógica de acumulação de capital que permeia essas empresas (e seus usuários) as leva a cooptar e subordinar as lutas sociais aos seus próprios interesses, enfraquecendo qualquer suposto potencial transformador emancipatório popular das redes.
Essa dinâmica é particularmente evidente no caso de movimentos de lutas populares da classe trabalhadora. Ao oferecer ferramentas de comunicação e organização online, as redes sociais atraem esses movimentos para seus ecossistemas controlados, onde sua capacidade de ação pode ser enfraquecida pelos algoritmos e pela fragmentação da base de apoio. Também fragiliza a atividade popular por tirar completamente o controle tecnológico e comunicacional desses coletivos. Dessa forma, a suposta conexão e emancipação prometida pelas plataformas digitais se revela, na verdade, um imenso risco para coletivos populares por servir aos interesses do capital e à manutenção das coisas como são.
Diante da consolidação dos ambientes digitais murados e da ascensão da manipulação e cooptação que permeia as redes sociais, emerge, entre outros problemas, um cenário preocupante para a organização e a mobilização popular. Há um risco real de que as ações coletivas e as iniciativas emancipatórias enfrentem um declínio significativo no ambiente online a medida que as condições sócio-políticas favoreçam decisões e guinadas extremistas do poder corrente.
Os algoritmos que regem o funcionamento dessas plataformas desempenham um papel crucial nesse processo. Ao priorizar conteúdo de um viés ideológico em detrimento de uma alternativa, conteúdos sensacionalistas e polarizadores em detrimento de informações factuais e equilibradas, esses sistemas fechados (usados massivamente) contribuem para a fragmentação do debate público e a pauta conforme os interesses das próprias plataformas. Essa dinâmica enfraquece inevitavelmente a capacidade da classe trabalhadora e dos movimentos sociais de se organizarem efetivamente e de construir uma agenda política coesa.
Da cooptação de pautas progressistas por interesses corporativos até a deslegitimação e a marginalização de vozes dissonantes, as plataformas digitais se revelam como instrumentos poderosos de manutenção das coisas como são. Essa realidade ameaça solapar os esforços da classe trabalhadora em direção à sua emancipação, reforçando as estruturas de poder existentes.
Diante desse cenário, torna-se imperativo compreender as dinâmicas que permeiam os walled gardens digitais e desenvolver estratégias alternativas que permitam a organização e a mobilização popular de forma autônoma e eficaz. Caso contrário, o risco de declínio das ações emancipatórias no ambiente online se torna cada vez mais iminente. Nesse sentido, o surgimento de plataformas descentralizadas, como o Fediverso, apresenta-se como uma possível solução.
O Fediverso é um conjunto de redes sociais e serviços online interconectados, baseados em protocolos abertos e descentralizados. Ao contrário dos walled gardens controlados por grandes corporações, essas plataformas permitem que os usuários tenham maior controle sobre seus dados e sua experiência digital. Além disso, a natureza descentralizada do Fediverso dificulta a cooptação e a manipulação de movimentos sociais e trabalhistas, fortalecendo sua capacidade de organização autônoma.
Estratégias para a classe trabalhadora se organizar digitalmente de forma eficaz e autônoma também envolvem a adoção de ferramentas de comunicação e colaboração open source, que não estejam sujeitas aos interesses corporativos. Essas soluções, aliadas a uma maior conscientização sobre as dinâmicas de poder que permeiam as redes sociais, podem contribuir para a construção de espaços digitais mais democráticos e emancipatórios.
Além disso, é fundamental haver uma reflexão sobre a necessidade de políticas públicas e regulamentações que promovam a emancipação digital. Isso pode incluir medidas como a limitação do poder de monopólio das grandes empresas de tecnologia, a garantia da privacidade e da segurança dos dados dos usuários, bem como o incentivo ao desenvolvimento de infraestruturas digitais públicas e comunitárias.
Somente por meio da adoção de alternativas descentralizadas, do fortalecimento da organização autônoma da classe trabalhadora e da implementação de políticas públicas voltadas para a emancipação digital, será possível construir um ambiente online mais justo, democrático e alinhado aos interesses da população.
Neste artigo, exploramos a ascensão dos "walled gardens" digitais e sua intersecção com as dinâmicas do neoliberalismo, destacando como essas plataformas controladas por grandes corporações restringem a liberdade, a autonomia e a capacidade de ação da classe trabalhadora. A análise revelou que, embora as redes sociais se apresentem como espaços de conexão e empoderamento, na realidade, elas operam como instrumentos de controle e manipulação, favorecendo interesses corporativos em detrimento do bem-estar social e da emancipação popular.
Diante desse cenário preocupante, é imperativo que nos mobilizemos em prol de uma internet mais democrática, que priorize a autonomia dos usuários e a diversidade de vozes. A construção de alternativas descentralizadas, como o Fediverso, e a adoção de ferramentas de comunicação open source são passos fundamentais para reverter a lógica de exploração e controle que permeia as plataformas digitais atuais. Além disso, a implementação de políticas públicas que limitem o poder das grandes empresas de tecnologia e promovam a privacidade e a segurança dos dados dos usuários é essencial para garantir um ambiente online mais justo e equitativo.
As perspectivas futuras para a luta da classe trabalhadora no ambiente digital dependem da nossa capacidade de organizar e mobilizar coletivamente em torno de uma agenda emancipatória. Ao fortalecer a conscientização sobre as dinâmicas de poder que regem as redes sociais e ao promover a construção de espaços digitais autônomos, podemos vislumbrar um futuro onde a internet cumpra seu potencial como um verdadeiro espaço de liberdade, colaboração e transformação social. A hora de agir é agora; juntos, podemos moldar um novo paradigma digital que sirva aos interesses da população e não somente aos lucros corporativos.
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