No Tech for Apartheid - um retrato da luta de classes no setor de tecnologia
Profissionais de tecnologia não percebem como suas criações sustentam a violência do capital. Movimentos sociais revelam a contradição entre os discursos de grandes empresas e suas práticas. Apesar de pressões, o lucro prevalece sobre tudo e sobre todos.
Já se pode dizer tranquilamente que a tecnologia está em todos os aspectos da nossa vida, e com ela, vem a narrativa dos seus profissionais como os visionários de um futuro repleto de inovação e eficiência. No entanto, por trás das fachadas de privilégio e influência, há uma realidade mais complexa que não é devidamente considerada. A ilusão de poder no setor de tecnologia pode cegar seus trabalhadores para as dinâmicas de classe que sustentam o sistema capitalista, onde a tecnologia frequentemente atua como uma engrenagem mais reluzente a serviço da maximização de lucros.
Os profissionais de tecnologia, embora frequentemente beneficiados por salários acima da média e ambientes de trabalho que valorizam a criatividade, vivem em uma bolha que os isola da realidade da maioria dos trabalhadores. Essa bolha não é apenas uma expressão comum, mas um retrato ideológico muito bem construído. Repleta de uma cultura que promove a ideia de que estão contribuindo para um mundo melhor, mais conectado e com mais oportunidades. No entanto, essa percepção é totalmente descolada das consequências práticas de suas atividades.
Camadas de abstração separam essas pessoas do impacto real de seus trabalhos. Eles codificam, projetam interfaces e criam sistemas, mas raramente se deparam com as implicações sociais e econômicas de suas tarefas. Por exemplo, um elaborado modelo de inteligência artificial pode ser usado para produtividade bem como um instrumento de crime de guerra. O real impacto de um produto técnico está distante para quem está imerso no universo das startups e grandes corporações de tecnologia.
Essa situação é ideal para os detentores do capital, que se aproveitam da especialização e do foco tecnicista dos trabalhadores para implementar estratégias que otimizem seus retornos financeiros a qualquer custo. A alienação dos trabalhadores em relação ao uso final de suas criações permite que os lucros sejam acumulados sem grande contestação sobre princípios, valores ou impactos sociais e humanitários. A engenharia social, tão eficaz quanto a engenharia tecnológica, garante que a estrutura de poder permaneça inalterada.
No entanto, crises sociais tendem a criar contextos de ruptura, trazendo consigo um sopro de lucidez. Que tão logo trata de ser reprimida e apagada pelo poder. Um dos exemplos foi o movimento No Tech For Apartheid (Sem Tecnologia para o Apartheid). O contexto é explicado a seguir.
A colaboração da Amazon e do Google com o apartheid israelense faz parte de um padrão maior de grandes empresas de tecnologia alimentando a violência estatal ao redor do mundo. Empresas de tecnologia como Amazon e Google são os novos beneficiários da guerra e possuem registros desanimadores em termos de direitos humanos. A Amazon ajuda a alimentar a máquina de detenção e deportação do ICE (Immigration and Customs Enforcement) e faz parcerias com mais de 2.000 departamentos de polícia nos EUA para vigiar e criminalizar comunidades negras e pardas por meio de sua câmera de campainha, o Ring. Enquanto isso, o Google vendeu inteligência artificial ao Departamento de Defesa para tornar seus ataques com drones mais letais e, apesar de ter encerrado este contrato após pressão pública e dos trabalhadores, o Google ainda mantém laços com o Pentágono.
Ambas as empresas afirmam se comprometer com os direitos humanos. A Amazon lançou os Princípios Globais de Direitos Humanos, prometendo "incorporar o respeito pelos direitos humanos em todo o nosso negócio". Da mesma forma, o Google declara que as empresas "podem ganhar dinheiro sem fazer o mal". Em vez de viver esses valores, Google e Amazon estão colocando o lucro à frente das pessoas ao fornecerem suporte para a violência do governo israelense contra os palestinos. - A tecnologia pode unir as pessoas, mas quando essas ferramentas são usadas para prejudicar comunidades, elas tornam o mundo menos seguro para todos nós. É por isso que trabalhadores do Google e da Amazon estão instando seus empregadores a colocarem em prática seus discursos sobre direitos humanos.
Nossas comunidades já se levantaram contra as grandes empresas de tecnologia antes e venceram. Em 2020, a Microsoft retirou todo o financiamento da empresa israelense de reconhecimento facial AnyVision após um feedback contínuo de pessoas comuns. Este ano, pessoas de todo o mundo se uniram na coalizão #FacebookWeNeedToTalk, pedindo ao Facebook para garantir que suas políticas não censurem palestinos e defensores dos direitos humanos palestinos. Juntos, podemos construir um mundo melhor onde todas as pessoas, incluindo os palestinos, vivam com segurança e liberdade.
Profissionais que antes poderiam não ter se visto como agentes políticos ou sociais começaram a questionar os projetos em que estavam envolvidos. Eles se manifestaram, assinaram petições e exigiram mudanças. O movimento revisitou discussões sobre o papel da tecnologia na sociedade e a responsabilidade dos seus criadores. A organização e a voz trabalhadora geraram forte resistência dos donos do poder. Ao final, os lucros foram garantidos e vários trabalhadores demitidos.
Este episódio serve como um lembrete da luta de classes subjacente ao sistema capitalista. Mesmo entre os trabalhadores mais bem pagos e com formações pomposas, há uma clara desvantagem quando confrontados com o poder econômico e a capacidade de decisão das classes dominantes. O setor de produção de tecnologia não está livre da opressão inerente do sistema em que está inserido.
A tecnologia é uma força poderosa, mas seu poder é controlado pelas forças inescrupulosas do capital. A tendência histórica é de uma amplificação desse controle. A mudança começa com a compreensão crítica do papel que cada trabalhador desempenha dentro deste sistema. Ao incorporar uma diversidade de perspectivas e uma organização coletiva, os profissionais de tecnologia podem começar a desafiar as estruturas que perpetuam a desigualdade. Porém, ao que tudo indica, estarão todos em suas capsulas individuais vendo o mundo queimar.
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